Neste novembro, mês da Consciência Negra, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) tem avanços para celebrar: em 2023, a maioria (66%) das(os) novas(os) alunas(os) que ingressaram nos Cursos Técnicos de Nível Médio em Saúde (CTNMS) declararam-se pretas(os) e pardas(os). É um aumento significativo em relação a 2022 e 2021, que registraram – respectivamente – um percentual de 58% e 56% de novas(os) estudantes autodeclaradas(os) afrodescendentes.
“A Escola Politécnica está cada vez mais com a cara do Brasil. Especialmente após a adoção, em 2020, do sorteio público como modalidade de ingresso,” celebrou a vice-diretora de Ensino e Informação da EPSJV, Ingrid D’avilla.
Segundo D’avilla, somente há 3 anos a escola passou a solicitar a autodeclaração sobre cor no momento da matrícula das(os) novas(os) alunas(os). Mas como os cursos técnicos têm duração de 4 anos ainda não é possível computar a exata proporção étnico-racial da totalidade do corpo discente dos cursos técnicos de nível médio da EPSJV.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a presença de pretos e pardos no conjunto da população brasileira é de 56,1%.
Para muita gente o corpo discente já vem se aproximando há muito tempo da proporção de afrodescendentes existente na população brasileira. Flávio Paixão, professor do Laboratório de Educação Profissional em Técnicas Laboratoriais em Saúde (LABORAT/EPSJV), desde 2009, é um dos que não tem dúvida: “Posso dizer com certa tranquilidade que, desde 2013, a partir da lei de cotas, a gente percebe um processo de aquilombamento na escola,” afirmou.
DA CONTINGÊNCIA À DECISÃO POLÍTICA
O ingresso na EPSJV passou a ser por meio de sorteio em 2021, em virtude de uma contingência: a pandemia de Covid-19. A realidade sanitária impedia a realização de aglomerações, próprias de qualquer processo seletivo.
No entanto, a partir de 2022, o sorteio foi mantido, não mais pela realidade sanitária, mas por uma decisão política: “Porque esse é o método que mais nos aproxima da ideia de acesso a uma escola pública com a qualidade que nós temos,” afirmou D’avilla.
“Esse é o perfil que nós desejamos, a escola quis isso. Porque nos colocamos como uma escola voltada para que a classe trabalhadora tenha condições de problematizar, criar conhecimentos, e dirigir esse país.” comemorou Valéria Carvalho, vinculada desde 2008 ao Laboratório de Formação Geral e Educação Profissional em Saúde (LABFORM).
Paixão, professor do LABORAT, tem a mesma convicção. “A gente é de uma escola que tem o nome de um técnico preto. Do técnico mais espetacular que já surgiu aqui nessa instituição. Isso reforça onde a gente quer estar, quem a gente quer ser, qual a técnica e qual o técnico a gente quer formar. Esse processo de empoderamento ao longo dos últimos 10 anos, eu acredito que esteja funcionando,” pontuou.
De acordo com a vice-diretora, a promoção de uma educação emancipadora às filhas e aos filhos da classe trabalhadora, com as melhores condições educacionais, está nas bases da constituição da EPSJV. “Para que elas(es) possam ser dirigentes de um outro projeto de sociedade,” apontou.
INGRESSO E ACOLHIMENTO
Segundo a aluna Maria Eduarda, diretora do Grêmio Estudantil, ao ingressar na EPSJV muita gente pensava: “cara, essa escola não é pra mim, eu não vou conseguir ficar nessa escola.”
Esse temor estava baseado no cenário étnico-racial anterior. “Antes do ingresso ser totalmente por sorteio a escola era muito de classe média alta, a maioria dos estudantes dali tinham condições boas. Era uma escola muito embranquecida,” revelou a líder estudantil.
A gradual mudança do cenário étnico-racial da Escola Politécnica exigiu um movimento diferente para acolher essas(es) estudantes, de acordo com o professor Flávio Paixão. “Para fazê-los entender que o ambiente acadêmico também é um espaço pra eles”, ponderou.
As (os) estudantes passaram a querer e a escolher temáticas mais ligadas à perspectiva étnico-racial nos trabalhos escolares. Mas isso exigiu uma preparação, formação, estudo e pesquisa das(os) orientadoras(es). “Estamos falando de uma formação dupla. Formação de professores, formação de estudantes. Produção de conhecimento. É uma movimentação muito grande que a escola está fazendo!” exclamou Carvalho.
Nesse contexto o currículo transversal é indispensável, segundo a professora. “Avançar na perspectiva antirracista é avançar na coerência da qualidade político-pedagógica da nossa escola”, disse.
O seminário de revisão curricular, realizado neste ano, durou uma semana. “Antes, a gente tinha o momento de discutir as questões étnico-raciais nos debates sobre o currículo. Agora, a gente tá botando isso abaixo. Tem de ser de ponta a ponta. Isso implica na formação dos professores. A gente tá falando de se apropriar mais, conhecer mais, estudar mais os intelectuais negros, negras e indígenas. Esse currículo precisa mudar, precisa acompanhar o movimento de maior ingresso das populações negras e indígenas,” finalizou Valéria Carvalho.
Para a diretora do Grêmio Estudantil, Maria Eduarda, a decisão política de adoção do sorteio público como modalidade exclusiva de ingresso na EPSJV e o currículo transversal são as principais ações antirracistas da instituição.
“Aqui tem um esquema de acolhimento dos professores muito bom. É um espaço que, a meu ver, é democrático e propício para criar discussões. As (os) alunas(os) têm liberdade para criar coletivos. Tinha um coletivo negro que era onde a gente discutia essas questões,” completou Eduarda.
Em março deste ano (2023) a EPSJV adotou o Selo Educação Politécnica Antirracista. “Ele é a expressão de identidade visual para o biênio 2023/2024. Estamos dizendo que durante dois anos a gente tem muito compromisso com essas lutas”, relatou Ingrid D’avilla, vice-diretora.
Ela faz questão de destacar que antirracista não é um adjetivo para a politecnia, mas para a educação: “Uma educação politécnica... e antirracista!”, enfatizou.
Uma das primeiras ações após a criação do selo foi a presença de MV Bill para ministrar a aula inaugural do ano letivo. Outra atividade estratégica foi a realização do Seminário de Revisão Curricular com foco numa educação politécnica e antirracista, em julho/agosto, que produziu novidades para serem implementadas a partir das turmas de 2024.