O Mestrado Profissional em Saúde da Família (Profsaúde) e a Rede Brasileira de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde (ReBETIS) promoveram em 20 de agosto a Conferência Livre Nacional de Interprofissionalidade, com o tema "Estratégias para o fortalecimento da educação e do trabalho interprofissional no SUS".
O evento – cuja íntegra está disponível no YouTube – foi realizado no contexto da 4º Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e buscou identificar os desafios entre trabalhadoras e trabalhadores do SUS para a promoção da equidade e o reconhecimento dos saberes e competências no dia-a-dia de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS).
Foram conferencistas as professoras Sylvia Batista e Marina Peduzzi; e moderadores a coordenadora acadêmica adjunta nacional do Profsaúde, Carla Teixeira; e o professor Cristiano Regis, do ReBETIS.
Pesquisadora do Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS), Isabella Koster participou do evento e contribuiu para o debate questionando as conferencistas sobre a necessidade de abordar a interprofissionalidade entre as diferentes profissões, especialmente entre as de nível médio e superior, cujo trabalho se organiza de forma hierarquizada e a educação é fragmentada, fruto da divisão social do trabalho..
Peduzzi afirmou que “de fato se a gente pensa na hierarquia das profissões, nós temos a profissão médica como uma profissão dominante. Não é o médico individualmente, o ‘doutor João’, isto é estrutural. É como a sociedade se organizou nos últimos 200, 300 anos. Então no campo da saúde a ação central é a ação da Medicina, do saber médico. Em torno dessa ação, do saber médico, se organizam todas as outras ações. Isso constitui uma intensa hierarquia entre os agentes do trabalho. Na construção do SUS, nós temos tentado fazer uma resistência a isso o tempo inteiro, reconhecendo que a qualidade da atenção à saúde da população é uma resposta das intervenções que um número enorme de profissionais, com diferentes formações e competências, realizam”.
A conferencista respondeu ainda à pergunta de Koster sobre como implantar medidas estruturantes que possam intervir na formação que ocorre essencialmente pela iniciativa privada. “A formação da enfermagem é um exemplo. Na formação técnica, ocorre 82% na iniciativa privada, onde 84% das trabalhadoras, mulheres negras, atuam no SUS, segundo os dados do Observatório dos Técnicos em Saúde”, questionou.
De acordo com Peduzzi, o crescimento “sem regulação e desgovernado” do ensino no setor privado ocorrido nas últimas três décadas é uma questão que atravessa e impacta na interprofissionalidade.
“A construção da formação e prática interprofissional é contra-hegemônica, ela vai na direção de ampliar a concepção de saúde, de cuidado, das responsabilidades que nós compartilhamos para garantir acesso a todos. Essa é uma questão que diz respeito a nós, sem dúvida, e quando a gente fala de equidade, como a SGTES/MS está provocando e vamos lá discutir na Conferência Nacional para o âmbito dos trabalhadores de saúde, entramos num contexto de forte tensão”.
Esta tensão, na visão da conferencista, é oriunda de múltiplas contradições. “O que está por trás das diferenças e desigualdades de gênero, do racismo e das profissões e ocupações de saúde são as classes sociais. Quem tem acesso à formação, à educação, e qual é o caminho a trajetória que as pessoas têm oportunidade de percorrer e se preparar para entrar no trabalho? Aí nós entramos realmente num campo de muita tensão, que está na interprofissionalidade”, indica.
Peduzzi citou estudos que demonstram que no interior da enfermagem, vem aumentando o número de homens, hoje em dia em torno de 15%, mas que os mesmos sobem mais na hierarquia dos serviços de saúde do que as enfermeiras mulheres, que compõem 85% da categoria. “São pesquisas feitas fora do Brasil, mas que dizem muito respeito a nós também, então é impressionante como o tempo todo a gente reproduz essas iniquidades de gênero, de raça e de profissão”, concluiu.
Para a pesquisadora do OTS, o debate acima foi frutífero e repercutiu nas sugestões das e dos participantes sobre as diretrizes e propostas que serão encaminhadas para a 4º CNGTES, em dezembro. “Considerando a interprofissionalidade como um princípio formativo, os grupos de trabalho sugeriram a inclusão da formação técnica, para além da graduação e pós-graduação que já estavam contempladas no texto base apresentado pelas entidades promotoras na conferência”, atestou Isabella Koster.
Jornalista: Paulo Schueler