
No início da próxima semana, o Rio de Janeiro sedia a reunião de Cúpula dos BRICS - bloco que, dos originais Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, recentemente incorporou Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Irã e Indonésia como participantes; e Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão na categoria de países parceiros.
O evento vem sendo precedido por encontros temáticos multilaterais, sejam eles organizados por entes estatais ou da sociedade civil organizada. No campo das ciências, a capital carioca também foi palco do Fórum de Academias de Ciências do BRICS. Nos dias 24 e 25 de junho, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) conduziu o encontro que aprovou uma declaração conjunta das academias dos países que compõem o BRICS endereçada aos chefes de Estado, para embasar o documento final do evento que se realiza nos dias 6 e 7 de julho.
A Declaração do Fórum de Academias dos BRICS defende a necessidade de fortalecimento da cooperação científica entre os países do bloco, sugerindo desde já a adoção de algumas ações com a criação de uma Rede de Soluções Climáticas cujo foco seja a adoção de tecnologias compartilhadas para transição energética, bem como o investimento conjunto em iniciativas e Inteligência Artificial. O texto avalia como insuficiente as colaborações acadêmica e científica no interior dos BRICS e pede o fortalecimento do papel das academias nacionais como consultores científicos aos governos que integram o bloco.
A corroborar com a avaliação do documento, estudo apresentado pelo presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), Odir Dellagostin, no primeiro dia do Fórum atestou que o maior índice de produção científica que tenha coautores de outro país do bloco é o dos Emirados Árabes Unidos, com modestos 4%. No outro extremo está a China, com 0,2 % de sua produção científica.
Dellagostin usou este indicador como indicador claro do estágio de parcerias: se pesquisadores compartilham a assinatura de artigos, isto indica que compartilham dados, métodos e o uso de laboratórios. Outro dado apresentado foi o da produção científica global: em 2022, a soma de artigos científicos publicados pelos BRICS superou a do G7 [grupo de países composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido], e em 2024 os BRICS responderam por 41% da produção científica mundial, com diferença sólida de pontos percentuais a mais que os 34,7% do G7. Segundo o presidente da Fapergs, isto indica que o eixo global do conhecimento está se movendo do chamado "Ocidente" em direção ao "Sul Global".
Aprofundar colaborações dentro do bloco, uma necessidade
Por fim, ele apresentou um resumo sobre os segmentos da Ciência mais publicações em cada país do BRICS. No caso do Brasil, lideram Medicina (26 % das publicações), Ciências Biológicas e Agrárias (17,3 %). Engenharias (12,5 %), Ciências Sociais (12,2 %) e Bioquímica / Genética (10 %). Presente ao Fórum, a reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Gulnar Azevedo, comentou os resultados com a reportagem do OTS. "A medicina social e a saúde coletiva são áreas de produção acadêmica expressiva no Brasil, e não apenas aqui. Se inserirmos a epidemiologia como saúde coletiva, o índice fica ainda mais expressivo", afirmou.
Questionada pelo OTS sobre porque, mesmo com esta produção, haver tão pouca colaboração com outros países dos BRICS, Azevedo avaliou que "os chineses e indianos trabalham numa perspectiva um pouco diferenciada. Nosso sistema de saúde, nossa forma de trabalhar, assemelha-se mais com a de outros sistemas universais, como é o caso da Inglaterra; e práticas que não são exatamente as mesmas, mas se assemelham com o que é feito na Espanha e Portugal".
Diante dos números, a reitora da UERJ aposta que a produção brasileira sobre a Atenção Primária à Saúde pode servir de ponte para estas colaborações. "A Atenção Básica é fundamental no crescimento e no suporte da assistência à saúde, não apenas para a prevenção, como uma forma de assistência de populações. Podemos colaborar nisso", defendeu.
Representando a Academia Brasileira de Letras (ABL) no Fórum, o professor e escritor Godofredo de Oliveira Neto comentou com o OTS o pequeno índice (4%) de colaboração brasileira em "Artes e Humanidades", mesmo o país dispondo, por exemplo, de 274 idiomas que são falados por 305 etnias autodeclaradas como indígenas, muitas das quais vivendo em territórios nos quais ocorrem pesquisas científicas sobre biomas, genética e minerais raros. "Trata-se de uma questão sempre muito presente no Brasil, que é a dificuldade de reforçar sua identidade. Estar sempre olhando para o Hemisfério Norte, para os Estados Unidos e a Europa, com uma autoestima baixa. Nossa identidade é frágil", avaliou.
Para o integrante da ABL, diante do momento geopolítico global, esse "olhar para o Norte" colabora para a estagnação da produção científica não apenas brasileira, mas da América Latina como um todo. Os resultados apresentados por Dellagostin, por exemplo, atestam que em 2000 nossa região era responsável por 2,7% da produção acadêmica global, e em 2024 o percentual chegou a 3,9%. No mesmo período, a África saltou de 1,3% para 3,6%, e a Europa despencou de 41,8% para 29,3%. "Miramos um 'modelito estrangeiro', nem sempre adequado às necessidades nacionais, e acabamos ficando para trás", avaliou.
Mobilidade social e Capes BRICS
Presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Denise Pires de Carvalho apresentou ao Fórum dados sobre a importância do acesso à educação para a mobilidade social, na conjuntura brasileira. De acordo com ela, “é urgente expandir a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) de excelência, com formações mais rápidas e eficazes para aqueles que não querem ou não podem cursar uma faculdade”, defendeu.
Em sua apresentação, ela ressaltou o papel da rede brasileira de institutos federais e a adoção do programa Pé de Meia como políticas de incentivo à esta modalidade de formação. "É fundamental avançarmos nisso, apenas 11,2% dos nossos alunos estão na EPT, enquanto a média nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] é de 42,4%", afirmou.
Durante o Fórum, a presidente da Capes abordou com o OTS os debates acerca de Ciência Aberta e a possibilidade de plataformas colaborativas de publicação de artigos para os países do bloco. "O Portal de Periódicos da Capes é modelo, e estamos e estamos no caminho de nacionalizar o SciELO, para termos um grupo editorial forte com muitas revistas em Open Access, então o Brasil já sai na frente. O que mais me deixou assustada foi a pouca cooperação entre os países do BRICS. Temos um programa estruturante com a França, o Capes Cofecub, já há cerca de 50 anos, e é isso que explica o fato de o maior número de bolsas concedidas pela Coordenação ser para lá [França], e não os Estados Unidos, por exemplo. Eu pretendo termos, a partir deste modelo, um 'Capes BRICS' em breve, se possível ainda em 2025", concluiu.
Jornalista: Paulo Schueler. Foto: Mario Marques / Divulgação ABC