Novas diretrizes para formação de técnicos e auxiliares em saúde bucal

O Ministério da Saúde, através da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS), publicou em julho as "Diretrizes e Orientações para Formação - Auxiliar e Técnico em Saúde Bucal".

O documento, resultado de parceria com o Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), almeja fortalecer "o processo de institucionalização da política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) do SUS, reforçando o compromisso do Ministério da Saúde (MS) em garantir a saúde bucal como direito", alinhando o processo de educação permanente destas duas categorias de trabalhadores às necessidades atuais da saúde pública no Brasil.

Como o documento ressalta, técnicos e auxiliares em Saúde Bucal atuam no apoio ao diagnóstico médico e ao radiodiagnóstico, na produção de órteses e próteses, na promoção da saúde e prevenção de riscos e agravos, e também na recuperação em que ocorrem os cuidados de saúde. As Diretrizes afirmam que ambos "também têm importante protagonismo na otimização do uso crítico da tecnologia em saúde, na redução das perdas operacionais e dos custos e, consequentemente, no favorecimento da adoção de condutas epidemiológicas, clínicas e cirúrgicas favorecedoras da saúde dos usuários".

Saberes e competências

De forma resumida, a formulação se baseia em cinco tipos de saberes (cognitivos, operacionais, reflexivos, psicoativos e psicossociais) que compõem e estruturam sete competências/eixos de competências.

São elas “propor e desenvolver ações que demonstrem a compreensão do processo saúde-doença, dos conceitos e das estratégias da promoção da saúde da população e do controle social das práticas de saúde, visando à melhoria da qualidade de vida da população"; "Planejar, em equipe, o trabalho em saúde bucal nos serviços e no território onde atua, utilizando conceitos e ferramentas do planejamento e dos sistemas de informação"; "participar de processos sistematizados de educação para o trabalho, incluindo Educação Permanente em Saúde (EPS), pesquisas e práticas relacionadas ao aperfeiçoamento em saúde"; "realizar ações de organização dos ambientes de trabalho e de apoio ao atendimento clínico e cirúrgico, considerando as características e as finalidades das ações realizadas"; "Implementar ações coletivas de prevenção e controle das doenças bucais e agravos dirigidas à população e a grupos específicos, considerando necessidades de informação e orientação, bem como características dos espaços e dos contextos em que o trabalho é realizado"; "realizar ações de atendimento clínico em saúde bucal, na perspectiva de favorecer o conforto, a estética e a função mastigatória do usuário, em toda a Rede de Atenção à Saúde"; e "promover o diálogo e o trabalho em equipe, aperfeiçoando a comunicação entre seus pares e outros grupos sociais, pautando suas ações nos princípios da ética, da bioética, dos direitos dos usuários, da responsabilidade profissional e da participação social".

Professora da Faculdade de Educação das Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autora, dentre outras obras, do livro A Pedagogia das Competências: Autonomia ou Adaptação?, Marise Ramos conversou com o Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS) sobre as diretrizes. Questionada pelo OTS se foi um documento “possível” diante da conjuntura, Marise afirmou que as Diretrizes são “pragmáticas”. “Ele admite limitar a formação desses técnicos ao treinamento. O que para a iniciativa privada é super conveniente, porque podem se fazer com cursos curtos, modulares, com entradas e saídas...Portanto ele é pragmático, no sentido filosófico e no sentido funcional”, ressaltou.

A professora defende ressignificar esta noção de competência sob uma perspectiva crítica. “A análise funcional analisa o posto de trabalho à luz dos interesses da organização. A análise construtivista faz um diálogo com os trabalhadores, no sentido de que os próprios trabalhadores busquem construir as competências que eles identifiquem como necessárias. Sair desta posição de ver o trabalhador como alguém passivo, com o especialista dizendo quais são as competências que ele deve ter”, defende.

Técnica em Saúde Bucal (TSB) com atuação na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro, Roberta Scofano afirmou ao OTS que desconhece a possibilidade de a categoria ter sido "ouvida em massa para a elaboração do documento", embora o elogie. "As Diretrizes trouxeram impactos positivos, e nos orienta para uma qualificação profissional permanente na construção do processo de trabalho", afirmou.

Profissional em luta para constituir uma entidade de classe que represente os TSBs no Rio de Janeiro, Roberta crê que programas de educação permanente são necessários "para a elevação da escolaridade dos perfis de competência profissional, seguindo as leis que regulamentam o exercício da profissão, que definem as atribuições, responsabilidades e requisitos para o exercício da profissão", afirmou.

Coordenadora-Geral de Ações Estratégicas de Educação na Saúde do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (CGAES / DEGES / SGTES / MS), Erika Almeida afirmou ao Observatório que a publicação foi desenvolvida baseada em estratégias metodológicas que envolveram o mapeamento das competências profissionais do auxiliar e do técnico em Saúde Bucal “por meio de levantamento e análise documental acerca do contexto atual da regulação da formação, do trabalho e das práticas do Auxiliar e Técnico”, além de utilizar a transposição pedagógica das competências. “A perspectiva foi elaborar as diretrizes para a formação desses profissionais a partir das competências validadas e o itinerário de formação dessas duas categorias profissionais conforme a legislação educacional vigente”, ressaltou.

‘Um passo fundamental’

Almeida ressalta ainda a participação das Escolas de Saúde do SUS, trabalhadores e gestores em Saúde Bucal das cinco regiões do país na formulação das Diretrizes. Para ela, a publicação trará impactos positivos, como “estímulo à formação técnica em Saúde Bucal, principalmente em áreas estratégicas e regiões prioritárias; melhoria na organização e qualidade das formações na área; indução de adequações e aperfeiçoamento dos projetos pedagógicos dos cursos hoje disponíveis no país; adequação dos currículos ao tempo atual, da organização da rede de atenção e das necessidades da população e  ampliação e fortalecimento das equipes especializadas locais e regionais”, dentre outros.

Coordenador da Comissão Intersetorial de Saúde Bucal do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Anselmo Dantas contribuiu na formulação do documento. “É sempre importante ressaltar o caráter democrático, participativo e de escuta ativa que o Ministério fez em relação a estas Diretrizes. Houve vários momentos de diálogo, não apenas com o CNS mas também com a academia, instituições científicas e associações como a Brasileira de Ensino Odontológico”, comentou.

“Não apenas especificamente na Saúde Bucal, mas em toda a política pública social, é necessário considerarmos que nós estamos em processo de reconstrução. Agora nós já temos as Diretrizes para a formação destes profissionais, é um passo fundamental. Agora, faz-se necessário alocar recursos para viabilizar essa formação em larga escala, porque o Brasil tem deficiência destes profissionais, de uma forma avassaladora”, defende.

De acordo com o conselheiro, “faltam técnicos e auxiliares, e aqui amplio a interpretação para profissionais de nível técnico, porque é necessário incluir técnicos especialistas, por exemplo, em impressão 3D, em radiologia bucal, em procedimentos preventivos, em manutenção de equipamentos. Enfim, para a equipe de saúde bucal, que hoje, em 2025, é muito maior do que há 20 anos”, ressaltou.

Portanto, nas palavras de Dantas, “essas Diretrizes abrem uma porta, um caminho, para que a gente possa, de verdade, enquanto país, começar a formar esses profissionais de uma maneira permanente”.

De acordo com ele, embora o Ministério da Saúde, como instância nacional, tenha formulado as Diretrizes, essas ações de educação permanente ocorrerão nos estados e nos municípios. “O Ministério da Saúde precisa apoiar como agente de fomento e acompanhar o balizamento dessas formações, mas eu acredito que há há ainda um caminho a ser percorrido para que a gente possa superar a carência desses profissionais de maneira geral no país, e organizar o processo de formação permanente, e não algo esporádico”, concluiu.

 

Jornalista: Paulo Schueler