
O Ministério da Saúde está promovendo o Censo da Força de Trabalho na Saúde, iniciativa que atualizará as informações sobre a força de trabalho nos estabelecimentos de saúde do Brasil. Sob responsabilidade da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS), em parceria com a Fundação Oswaldo Fiocruz (Fiocruz-Brasília) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o Censo tem três objetivos centrais: qualificar a gestão da informação sobre a força de trabalho no âmbito do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES-Profissional), recensear esta força de trabalho na rede pública e privada, e qualificar o CNES-Profissional enquanto base de dados que colabore na tomada de decisão sobre planejamento, dimensionamento e gestão da força de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS).
Dentro do escopo do Censo, o Ministério da Saúde promoveu em 15 de julho o webinário Tudo o que você precisa saber sobre o Censo que qualificará o CNES, cuja íntegra você pode assistir. Conduzido pela coordenadora-geral de Políticas Remuneratórias e Planejamento da Força de Trabalho na Saúde da SGTES/MS, Lívia Angeli, o evento debateu a metodologia de coleta e análise do Censo, e abordou as responsabilidades atribuídas às gestoras(es) e aos responsáveis pela validação das informações nos estabelecimentos de saúde.
Após o webinário, Angeli concedeu entrevista para o Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS). De acordo com a gestora, o Censo retratará toda a força de trabalho que atua na Saúde, "contemplando também profissionais essenciais, mas muitas vezes invisibilizados nas estatísticas oficiais, como aqueles das áreas de limpeza, alimentação, segurança, motoristas do SAMU, maqueiros, copeiros, administrativos, entre tantos outros", tema que o OTS tem abordado através de sua Concepção Ampliada sobre as(os) Técnicas(os). Confira esta e outras informações sobre o trabalho que retratará a força de trabalho em Saúde no Brasil na entrevista completa:
Observatório dos Técnicos em Saúde - Qual a importância do Censo da Força de Trabalho em Saúde para a formulação de políticas públicas mais eficazes no âmbito da saúde?
Lívia Angeli - O Censo se soma a diversas outras iniciativas do Ministério da Saúde voltadas ao melhor conhecimento da força de trabalho em saúde. O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) é uma base de dados que reúne estabelecimentos públicos e privados e sua atualização permitirá um panorama de análise censitária da força de trabalho em saúde. A pesquisa inédita no Brasil, além de qualificar e atualizar o CNES, permitirá um planejamento mais assertivo e eficaz das políticas públicas relacionadas à gestão e educação na saúde.
Para além da coleta de dados in loco, o projeto objetiva promover a formação dos profissionais de saúde que se encontram na base do processo de cadastramento dos dados, visando estratégias de sustentabilidade para qualificação sistemática do CNES, além de se constituir em uma proposta concreta de curso de formação para os recenseadores, não limitando-se somente a atuarem como agente de coleta de dados, mas participando ativamente de um processo de formação mais amplo sobre o sistema de saúde, gestão e processamento de informações em saúde.
Com dados atualizados e diagnóstico dos principais problemas, será possível identificar e corrigir deficiências do próprio sistema do CNES, além de promover o melhor planejamento da força de trabalho em saúde.
OTS - Como será operacionalizada a pesquisa?
Angeli - Inicialmente, está sendo operacionalizada em caráter piloto nas unidades federativas do Distrito Federal e Mato Grosso do Sul pelas características específicas e complementares dos territórios. O Distrito Federal apresenta uma alta concentração populacional em um território reduzido, com complexidade nas redes de saúde e diversidade de serviços. Já o Mato Grosso do Sul, apresenta grande extensão territorial, baixa densidade populacional, desafios de acessibilidade e atenção às populações indígenas e rurais. Esse contraste permite que o projeto teste e valide metodologias de campo em contextos bastante distintos, garantindo posteriormente uma ampliação mais segura e bem estruturada para todo o território nacional.
OTS - Como será realizado o processo de coleta de dados? Que instrumento será utilizado? Quais as interfaces deste instrumento com os formulários do CNES que alimentam a base nacional de dados?
Angeli - A coleta de dados é realizada por meio do Sistema Censo, uma ferramenta digital customizada para o projeto. O sistema apresenta formulários eletrônicos pré-configurados, elaborados com base nos campos existentes no CNES, permitindo o registro e validação em tempo real das informações obtidas nos estabelecimentos.
O processo inclui etapas rigorosas de validação das informações junto aos responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, garantindo que os dados coletados reflitam de maneira precisa a realidade local. Após validação, um relatório de discrepâncias é gerado automaticamente pelo sistema para que os estabelecimentos realizem as atualizações necessárias diretamente no CNES, garantindo uma integração direta e contínua com a base nacional de dados.
OTS - O censo incorpora variáveis relacionadas ao perfil sociodemográfico dos profissionais (raça/cor; escolaridade, tipo de deficiência, quando existentes, etc.) e às relações de trabalho, com destaque à remuneração?
Angeli - Sim, o Censo incorpora diversas variáveis relacionadas ao perfil sociodemográfico dos profissionais da saúde, tais como raça/cor, gênero, identidade de gênero, escolaridade e condição de Pessoa com Deficiência (PCD). Além disso, há um forte destaque para as relações de trabalho, incluindo informações detalhadas sobre o tipo de vínculo empregatício, carga horária semanal e remuneração bruta mensal.
A coleta dessas informações é fundamental para que sejam identificadas desigualdades estruturais no mercado de trabalho da saúde, permitindo a formulação de políticas de gestão e planejamento que levem em consideração aspectos de equidade e justiça social no âmbito profissional.
OTS - Ainda sobre o instrumento de coleta de dados: como serão abordadas as realidades vinculadas às necessidades específicas, como DSEIs, unidades de atendimento à população quilombola, UBSs em favelas - como definido pelo IBGE - e UBSs flutuantes, para populações ribeirinhas?
Angeli - O Censo utiliza diferentes metodologias de coleta justamente para atender às especificidades e diversidades territoriais encontradas no Brasil. Essas metodologias incluem não apenas visitas presenciais, mas também estratégias remotas, permitindo que o recenseamento alcance regiões e serviços de saúde com desafios logísticos, como Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), unidades voltadas à população quilombola, UBS localizadas em favelas e unidades flutuantes que atendem populações ribeirinhas.
Cada região de saúde conta com tutores, que são profissionais com experiência e atuação regional vinculada ao SUS com a atribuição de acompanhar, monitorar e adaptar as estratégias de coleta de dados às realidades específicas dos territórios onde atuam. Dessa maneira, o Censo está preparado para enfrentar os desafios logísticos e culturais dos diversos contextos brasileiros, garantindo uma coleta abrangente e representativa das diferentes realidades locais, especialmente aquelas historicamente negligenciadas ou com dificuldades de acesso.
OTS - Quem e quantos são os profissionais envolvidos na coleta de dados?
Angeli - Atualmente, contamos com 33 pessoas recenseadoras no Mato Grosso do Sul e 32 no Distrito Federal, totalizando 65 profissionais diretamente envolvidos na coleta dos dados. São trabalhadores e trabalhadoras do SUS, prioritariamente profissionais que já atuam diariamente com o CNES e outros sistemas de informação em saúde nas diferentes esferas de governo. Os profissionais foram selecionados por meio de edital público e recebem apoio contínuo por meio de uma rede de acompanhamento composta pelos tutores regionais e pela coordenação estadual do projeto, garantindo qualidade e consistência na coleta das informações. Todos os recenseadores são devidamente identificados(as), e suas informações podem ser consultadas publicamente no site do CENITS.
OTS - A coleta de dados ocorrerá de forma presencial ou de outra forma?
Angeli - A coleta dos dados pode ocorrer tanto de forma presencial quanto remota, dependendo das particularidades locais e do tipo de estabelecimento a ser recenseado. Além da visita presencial, também são adotadas metodologias complementares, como entrevistas por telefone ou videoconferência, e ainda preenchimento colaborativo por meio de planilhas eletrônicas disponibilizadas aos estabelecimentos. Essa diversidade metodológica garante que todas as unidades sejam contempladas, independentemente das dificuldades de acesso.
OTS - Todos os trabalhadores serão incluídos no recenseamento? Ex: profissionais de limpeza, seguranças, motoristas de Samu?
Angeli - Sim, o Censo inclui todos os trabalhadores e trabalhadoras que atuam direta ou indiretamente na prestação de serviços em saúde, contemplando também profissionais essenciais, mas muitas vezes invisibilizados nas estatísticas oficiais, como aqueles das áreas de limpeza, alimentação, segurança, motoristas do SAMU, maqueiros, copeiros, administrativos, entre tantos outros. Essa inclusão ampla é fundamental como medida para garantir equidade, visibilidade e reconhecimento do papel fundamental desses profissionais para o funcionamento efetivo do sistema de saúde. Trata-se de uma iniciativa estratégica para reduzir desigualdades e fortalecer políticas públicas inclusivas e justas no SUS.
OTS - Como serão captados os trabalhadores de saúde que não possuem vínculo com estabelecimentos de saúde (exemplo: profissionais liberais e empresas)? Isso vai entrar na pesquisa?
Angeli - Segundo a Portaria GM/MS nº 5.337, de 22 de outubro de 2024, profissionais de saúde sem vínculo com estabelecimento físico, como prestadores domiciliares ou de telemedicina, podem ser registrados no CNES, o que abre caminho para sua inclusão no Censo. Ou seja, só participarão do Censo aqueles profissionais que estão vinculados a um CNES. No sistema, existem campos específicos para registrar o tipo de vínculo do profissional – seja como efetivo, terceirizado, liberal ou autônomo – garantindo a identificação desses trabalhadores.
Essa estratégia permite que o Censo incorpore diferentes perfis profissionais além dos tradicionais, oferecendo uma visão mais ampla e representativa da força de trabalho em saúde no Brasil. Assim, profissionais que atuam de forma independente, mesmo sem vínculo a uma unidade física específica, poderão ser captados por meio do CNES e incluídos na base de dados do Censo, assegurando que nossas análises reflitam toda a diversidade do setor.
OTS - Será um questionário único (universo) ou haverá vários questionários (para pesquisas amostrais)?
Angeli - Será um questionário único por meio de um Sistema Censo, ferramenta digital que permite abranger 100% dos estabelecimentos de saúde dos territórios investigados, garantindo a produção de dados completa e atualizada da força de trabalho, sem amostragem.
OTS - Qual o cronograma da pesquisa geral (nas 27 UFs)? Qual o cronograma de divulgação dos resultados?
Angeli - A pesquisa está sendo realizada em etapas estratégicas para garantir sua abrangência nacional. Com os pilotos no Distrito Federal e no Mato Grosso do Sul pretende-se validar os instrumentos e processos, permitindo a análise de condições de possibilidade para sua expansão para demais regiões do território nacional. Os resultados da pesquisa nesses dois estados serão analisados pelo Ministério da Saúde e espaços colegiados de gestores estaduais e municipais, quanto à necessidade e viabilidade orçamentária para sua replicação nos demais cenários.
OTS - Como os dados coletados qualificarão o CNES e como poderão ser acessados publicamente?
Angeli - Em tempo oportuno, os dados qualificados poderão ser disponibilizados pelo Ministério da Saúde em plataformas oficiais, permitindo o acesso para gestores, pesquisadores e demais interessados, promovendo a transparência, a governança e o controle social.
OTS - O Ministério pretende criar banco de dados público para que sejam feitos cruzamento de dados, como agregar recorte de salário com o de raça e gênero? Quais as inovações que o censo traz em termos de acesso à informação sobre a gestão do trabalho em saúde? Qual a periodicidade do Censo?
Angeli - Hoje, o Ministério da Saúde já conta com o Centro Nacional de Informações do Trabalho em Saúde (Cenits), que compila dados destinados à produção de informações para subsidiar gestores e profissionais na formulação e implementação de políticas públicas de saúde. A principal contribuição que essa pesquisa traz é de estimular e induzir os estabelecimentos a manterem os dados e informações sobre seus trabalhadores atualizados, uma vez que o CNES é um patrimônio público, pertence ao povo brasileiro. Todos os trabalhadores têm o direito de ter a sua trajetória profissional no SUS registrada.
Como cada sistema de informação tem objetivos específicos, não se espera que o Censo forneça a totalidade de informações necessárias para análise da força de trabalho em saúde. Por isso, são necessários mecanismos de cruzamento de dados de diferentes sistemas de informações tanto do Ministério, quanto de outros órgãos públicos, como também de conselhos profissionais, entre outros, para que cada vez mais tenhamos qualidade e aprofundamento na análise da força de trabalho.
Estão sendo pensadas estratégias que fortaleçam as características de interoperabilidade dos sistemas de informação, bem como mecanismos para que esses cruzamentos sejam realizados no país.
Jornalista: Paulo Schueler. Foto: Ascom/MS.