
Em 10 de outubro se celebra o Dia Mundial da Saúde Mental, data que tem o objetivo de aumentar a conscientização sobre questões de saúde mental em todo o mundo e mobilizar esforços em apoio à causa.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), disponibiliza atendimento para pessoas em sofrimento psíquico por meio dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A Atenção Primária à Saúde é a porta de entrada para o cuidado e desempenha papel fundamental na abordagem dos Transtornos Mentais, principalmente os leves e moderados, não só por sua capilaridade, como também por conhecer a população, o território e os determinantes sociais que interferem nas mudanças comportamentais, dispondo de melhores condições para apoiar o cuidado.
Diferentes níveis de complexidade compõem o cuidado, sendo os CAPS - Centro de Atenção Psicossocial, em suas diferentes modalidades, pontos de atenção estratégicos da RAPS. Serviços de saúde de caráter aberto e comunitário, constituído por equipe multiprofissional e que atua sobre a ótica interdisciplinar, podem ser encontrados.
Cuidar de quem cuida
O cuidado destes trabalhadores é essencial para a população. Porém, na maioria das vezes, eles não recebem suporte algum em relação à própria saúde mental. Durante a pandemia de Covid-19, o estresse e o esgotamento dos profissionais de saúde aumentaram, causando danos mentais que permaneceram até os dias atuais, mesmo com o controle da doença.
Esta falta de suporte é prejudicial e traduzida em dados, já que, números do Datasus apontam que o total de óbitos por lesões autoprovocadas entre estes profissionais dobrou nos últimos 20 anos, passando de 7 mil para 14 mil. O estresse pode ser um agravante deste quadro.
Em entrevista a este Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS), Adriana Miranda, coordenadora de promoção da saúde da vice-presidência de ambiente, atenção e promoção da saúde (VPAAPS/Fiocruz), afirmou que “a precarização do trabalho é prejudicial para a saúde mental dos trabalhadores da saúde, de maneira geral, mas especialmente para os técnicos. Têm alguns lugares que precisa ser Microempreendedor Individual (MEI) para trabalhar no SUS municipal, e esse é um dos fatores que acaba com a possibilidade de você ter o mínimo de saúde mental.”
Atualmente, a força de trabalho do SUS é composta por mais de 3 milhões de trabalhadores, sendo mais de 50% deles do nível técnico. Jessika Mendonça atua como técnica de Enfermagem desde 2013. Ela diz gostar muito da rotina, apesar de ser corrida, mas afirma que as vezes esquece de si mesma. “Fico a semana toda em função do paciente, esqueço que também tenho a minha vida, e isso não é bom.”
Nádia Adilião, também técnica de Enfermagem, compartilha da mesma realidade: “A rotina do serviço é bem exaustiva. A gente trabalha com pessoas doentes. Então a gente tem que estar bem fisicamente e psicologicamente, para poder cuidar do outro que não está em condições. Esse esgotamento, que acontece dos profissionais, é devido também a isso, porque nossa vida é muito corrida.”
A sobrecarga também é um fator que afeta aos trabalhadores da saúde. Sínthia Miranda, enfermeira de 31 anos, trabalha na Atenção Primária à Saúde (APS) em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e lida com isto diariamente. “Às vezes você tem tanta coisa para fazer, que não consegue terminar. Isso me deixa esgotada e frustrada, porque passou mais um dia e não consegui terminar meu trabalho. É muita sobrecarga, muita coisa que eu faço e não é da minha função”, desabafou.
Sínthia trabalha na mesma UBS a 5 anos, e afirmou que em todo este tempo, nunca houve preocupação do SUS com a saúde mental dos funcionários. “Eu e mais duas enfermeiras temos que fazer o evento de setembro amarelo na unidade. A gente faz em prol dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), dos técnicos, dos outros funcionários da unidade, mas a gente não se inclui.”
Neste ano de 2025 a ação foi voltada para o tema suicídio, porque aconteceu com um colega de trabalho da UBS. Apesar de não ter sido no ambiente de trabalho, acredita-se que a rotina exaustiva da profissão tenha sido a causa. Segundo Sínthia, mesmo após o caso, a administração da unidade não conversou com os funcionários.
Segundo Adriana, o modelo de gestão do SUS também é prejudicial para a saúde mental desta classe. “Existe uma certa uberização do trabalho na saúde. O SUS foi perdendo a capacidade de pensar plano, planejamento, política e gestão, o que tem corroído o sistema por dentro. A partir do momento em que eu trabalho o tempo inteiro com metas e tudo isso é métrica, e tem a ver com desempenho, volume, e não exatamente com qualidade. Isso é um elemento péssimo para a saúde mental, na medida que você vira uma máquina de produção de números.”
Nádia contou que casos de afastamento por esgotamento tem se tornado normais, mas não são bem aceitos e não existe suporte. “Você tem que inventar uma outra história para você poder se afastar, porque eles vão alegar que isso não é motivo. Mas as pessoas ficam esgotadas. Nós estamos ficando doentes devido a esgotamento físico, mental e outras coisas que acontecem também. Mas esse cansaço excessivo, na teoria, é bonito, na prática não é muito aceito, não. Então você tem que inventar uma outra situação, uma dor física, tipo coluna, que o braço está doendo, alguma coisa assim, para poder se desvincular um pouquinho.”
Para Adriana, este afastamento não surte o efeito necessário. “Normalmente o que tem sido feito é afastar o trabalhador. Individualiza aquele sofrimento, medicaliza o trabalhador, mas como se faz um trabalho de promoção de saúde mental? Eu acho que a gente tem que pensar seriamente em termos de carreira, em termos de garantia de direitos. Fica muito difícil se a gente continuar com estratégias individualizantes de cuidar de saúde mental depois que as pessoas adoecem, a gente precisa se antecipar a isso. Tem que trabalhar de maneira mais institucional e mais coletiva.”
Atenção permanente
Existem diversas campanhas relacionadas ao tema ao longo do ano. Principalmente em setembro, quando acontece a campanha anual de prevenção ao suicídio, conhecida como “setembro amarelo”, presente no Brasil desde 2015.
O dia 10 de setembro também é marcado pelo Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, organizado pela Associação Internacional para Prevenção do Suicídio e endossado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O objetivo, em geral, é direcionar a população para esclarecer sobre a importância do apoio e acolhimento do assunto.
O suicídio é um fenômeno complexo, multifacetado e de múltiplas determinações, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, classes sociais, idades, orientações sexuais e identidades de gênero. De acordo com a OMS, é um problema grave de saúde pública, visto que mais de 700 mil pessoas morrem por esta causa anualmente.
Adriana acredita que a melhor forma para reduzir estes casos entre os profissionais de saúde é criar um ambiente de confiança, em que os trabalhadores não sintam medo de ficar sem trabalho ou de serem penalizados por demonstrar fragilidade ou discordar de diretrizes. Segundo ela, este espaço só pode ser construído com espaços de diálogos horizontais, “sem medo, onde as pessoas possam expressar suas opiniões sem receio de retaliação”.
Texto: Nayara Oliveira*. Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil.
*Estagiária, sob supervisão de Paulo Schueler.