
Nesta terceira entrevista da série de diálogos entre o Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS) com outros observatórios que tenham a saúde pública como seu objeto de análise, a coordenadora do Observatório de Recursos Humanos em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Observatório RH-UFRN), Janete Lima de Castro.
Professora do Departamento de Saúde Coletiva e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFRN, Janete aborda os desafios do campo do trabalho em saúde.
Passaram-se 25 anos desde a implementação da Rede ObservaRH. Qual o seu balanço sobre este período?
A instituição dessa ideia de rede é de 1999, ela foi idealizada a partir de uma demanda clara surgida em reunião dos países que compõem a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no contexto das necessidades daquela época. Nós tínhamos decisões importantes para tomar no campo da gestão, do trabalho e da educação, que na época a gente chamava de ‘gestão de recursos humanos’.
Todavia a gente percebia claramente uma improvisação, porque não dispúnhamos de fontes, os dados estavam soltos, não possuíamos informações sistematizadas que pudesse subsidiar os gestores do Sistema Único de Saúde para a sua tomada de decisões, nos diversos níveis.
No início da rede, a ideia era ter grupos de pesquisa inflando discussões que fossem relevantes. A importância dos dados e das informações da área da gestão do trabalho para subsidiar não penas os gestores, mas para gerar uma relação mais próxima com os pesquisadores, seja no âmbito dos serviços ou da academia, o que foi um grande salto de qualidade, a interação entre as instituições de ensino com as de serviço.
Nós, da UFRN, começamos a participar da rede em 2001, quando se articulam de forma mais concreta as ações para estruturar a rede, articular os observatórios, definir quem ficaria responsável pelas iniciativas. Durante algum tempo a gente se constituiu enquanto rede, contudo, acredito que hoje basicamente realizamos alguns trabalhos em parceria, perdemos aquele sentido, aquela ideia de atuar em rede. Bem, anote-se que esta é uma opinião pessoal. Mas, não posso deixar de dizer que percebo uma crescente mobilização em torno do tema Gestão do Trabalho em Saúde. E isto é muito bom.
Também não posso deixar de ressaltar que a área da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde é uma das áreas de maior complexidade do SUS. Fazer sua gestão é difícil e pesquisar sobre ela também não é fácil.
Como reforçar estes laços?
Em primeiro lugar é preciso reforçar que, nestes 25 anos, a rede cumpriu o papel diante daquilo para o qual ela foi concebida, que é produzir informações, evidências e conhecimentos na área da gestão do trabalho e da educação, que pudesse colocar na mão do gestor estas informações. Se ele está usando ou não é outra coisa, mas a rede cumpriu este papel.
Sobre reforçar o trabalho em conjunto, nós já tivemos financiamento dos observatórios para participarem de reuniões, nacionais e até internacionais. Isso integra, gera sinergia. Era algo que ocorria a partir de uma interação muito forte entre a Opas e o Ministério da Saúde, e estes dois organismos puxavam a rede nesse aspecto.
Talvez a atualidade apresente um contexto favorável para o fortalecimento dessa rede e a retomada de iniciativas como estas.
Para além das abrangências nacional e internacional, os observatórios também se debruçaram sobre seus territórios, espaços menores, municipais, estaduais, dando visibilidade ao campo da gestão do trabalho e da educação na saúde com estas abrangências.
Quais são hoje os principais temas de estudo e pesquisa do ObservaRH da UFRN?
Nos últimos 6 anos temos trabalhado muito com o tema Gestão do Trabalho e também com o tema Saúde do Trabalhador da Saúde. Mas, também não nos descuidamos de estudos sobre a Educação na Saúde. Realizamos vários, inclusive.
A reforma trabalhista de 2017 tem impacto nesse, digamos, “foco” no trabalho?
Reformas trabalhistas têm impactos nas condições de emprego e de trabalho no mundo do trabalho em geral, não é diferente no trabalho em saúde. Vínculos empregatícios precários, condições de trabalho ruins repercutindo na saúde do trabalhador, estas são consequências de algumas reformas, inclusive a de 2017. Assim, estes são os temas que nos debruçamos nos últimos anos.
Enfim, nossa ideia tem sido discutir as condições de trabalho de Saúde a partir das seguintes problematizações? Quais são as condições de trabalho e de emprego no setor saúde? Quais tem sido as suas consequências na saúde do trabalhador? Quais são as estratégias de gestão que estão sendo aplicadas? Que alternativas podemos propor? E por aí vai o nosso caminhar no Observatório RH/UFRN.
Durante a pandemia, a gente fez a seguinte avaliação: muito se falava da saúde do trabalhador da saúde, esquecendo que ali existe um elemento que se chama gestor, que em geral não é considerado, como se fosse outra coisa. Assim, começamos a investigar sobre a saúde do gestor do SUS. Qual o impacto do fazer gestão na saúde deste gestor?
Outra pesquisa que nós estamos concluindo é sobre carreira em saúde. A discussão hoje posta é: é possível uma carreira única para o SUS? Como viabilizá-la neste contexto de desregulamentação do trabalho? Poderemos viabilizar uma carreira interfederativa. Que carreira é essa?
Algo no campo da Educação?
Sim. Temos nos dedicado especialmente ao tema que diz respeito a relação trabalho e educação na saúde. Estudamos as repercussões que alguns processos de capacitação tiveram na organização dos serviços. Acompanhamos os debates sobre a educação permanente, estudamos alguns processos formativos. Fizemos um levantamento da produção científica da área da Gestão do Trabalho e da Educação de 2013 até 2023. E estamos retomando nossa atuação no campo da História e Memória, que será mais ativo a partir de março de 2025.
O Brasil ficou um período sem conferências e agora temos a organização de duas, agora em dezembro a 4º CNGTES e para 2025 a de Saúde do Trabalhador. Qual sua avaliação sobre estes processos?
Avalio que o trabalhador que estará nas conferências irá disposto a discutir suas condições de trabalho. Condições tanto da existência ou não de um equipamento, de um insumo, como também dos vínculos de trabalho, da fragilidade cada vez mais presente destes vínculos no SUS. Parece-me, também, que os trabalhadores estão muito mobilizados na questão da carreira.
No nosso estado e nos municípios e estados em que temos oportunidade de estar participando ativamente das etapas do processo conferencial, procuramos contribuir com dados produzidos pelas nossas pesquisas. Vários dos resultados das nossas pesquisas foram aproveitados nos relatórios locais, regionais.
No momento em que a gente é convidado para uma conferência, seja municipal, distrital ou estadual, ou uma Conferência Livre, a gente aproveita a oportunidade para apresentar os dados que temos organizados e sistematizados a partir de nossas pesquisas. É por aí que a gente espera que nosso trabalho tenha repercussão.
Jornalista: Paulo Schueler