Fez parte da programação da 2ª Conferência de Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) o projeto da pesquisadora do Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS) Renata Reis, Negro Muro – Joaquim Venâncio Fernandes e os técnicos negros da Fiocruz.
O projeto é resultado da obra A “Grande Família” do Instituto Oswaldo Cruz: a contribuição dos trabalhadores auxiliares dos cientistas no início do século XX, de Renata, e retrata as biografias de trabalhadores técnicos da Fiocruz nas três primeiras décadas do século XX, que estão disponíveis no site Manguinhos de Muitas Memórias: histórias dos trabalhadores técnicos da Fiocruz.
A iniciativa foi apresentada na mesa “Direitos Humanos, Cultura e Promoção da Saúde”, mediada por Socorro Freire (NUSP/ UFPE) e que além de Renata contou com as participações da ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a professora Fabiana da Silva; e do integrante da Cooperação Social da Fiocruz, Gabriel Simões.
Eles abordaram, respectivamente, o trabalho de ausculta ativa das demandas da sociedade fluminense pela efetiva concretização de seus direitos fundamentais, como à vida, dignidade e saúde; e o trabalho de interlocução entre a Fiocruz e os territórios e comunidades nas quais a Fundação está inserida.
Os temas dialogam com a concepção de promoção da saúde no qual foi baseada a convocação do evento, da qual destacamos a avaliação sobre “a importância da comunicação e educação em saúde, a indissociabilidade entre saúde das pessoas e do planeta, a urgência em reduzir iniquidades, atuando sobre os determinantes socioambientais, econômico-comerciais e culturais da saúde de forma integrada e intersetorial, e a centralidade da participação das comunidades na elaboração e nas decisões de políticas públicas são alguns dos aspectos fundamentais elencados pela 77º Assembleia Mundial da Saúde (2024) para “promover, buscar e proteger a saúde e o bem-estar de todas as pessoas, em todos os lugares”.
Memória institucional da EPSJV/Fiocruz
Em sua fala, Renata lembrou que o projeto realizado em parceria com o coletivo Negro Muro é uma ação de memória institucional da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) que resgata a memória de trabalhadores técnicos negros que colaboraram com suas práticas e saberes para que a Fiocruz se consolidasse, nos seus primórdios, como instituição de pesquisa, ensino e promoção da saúde – como no caso da produção da vacina veterinária contra a “Peste da Manqueira”, que sustentou economicamente os primeiros anos da instituição.
“Quando falamos de Fiocruz é inevitável que lembremos sempre de nomes como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Cardoso Fontes, mas eles nunca estiveram sozinhos. Ao lado deles estavam trabalhadores técnicos, que tiveram participação fundamental na consolidação da ciência e da saúde brasileiras”, afirmou a pesquisadora.
Renata lembrou que até recentemente era de conhecimento restrito a poucos o fato de que o próprio Joaquim Venâncio, que dá nome a uma das unidades técnico-científicas da Fiocruz, era um homem negro.
Em seus primórdios, revela a pesquisa de Renata, a Fiocruz não esteva “imune” à lógica de servidão que era observada até recentemente nos tempos da escravidão. “A instituição mantinha uma forte hierarquia nas relações de trabalho entre cientistas e seus auxiliares”, citou, lembrando do uso distinto de banheiros e elevadores.
É como mais uma dose da vacina contra o racismo e a desvalorização do saber técnico que surgiu o projeto de homenagear estes trabalhadores em mural externo da EPSJV, à vista de todos que transitam pelo campus de Manguinhos da Fiocruz.
“O conjunto de murais apresentam ao todo, dez auxiliares de laboratório que ingressaram na Fiocruz em suas 30 primeiras décadas de existência, de 1900 a 1930, e que foram retratados de forma muito bonita, afetuosa e sensível, pelo Projeto NegroMuro, Fernando Cazé e Pedro Rajão, com o auxílio luxuoso dos artistas assistentes Cesar Mendes e João Bela. Eu já admirava e acompanhava o trabalho deles a algum tempo e ficava pensando que a gente podia ter aqui na escola um mural do Joaquim Venâncio pintado por eles. E a Escola não só abraçou essa ideia com muito carinho, mas ainda propôs que eles pintassem um segundo muro retratando outros técnicos negros além do nosso patrono”, relatou Renata.
Conforme relatou a pesquisadora, enquanto ocorria o processo de pintura dos murais, os estudantes do Curso de Ensino Médio da EPSJV, futuros técnicos em saúde do SUS, participaram de atividades pedagógicas pensadas para integrá-los ao projeto. Desta forma, estes jovens puderam “compreender a importância da relação entre arte e política presente no trabalho”, ressaltou.
Confira a íntegra da participação da pesquisadora Renata Reis no evento.
Jornalista: Paulo Schueler