RAIO X DAS PROFISSÕES TÉCNICAS EM SAÚDE NA WEB BRASILEIRA

Cerca de 8,5 milhão de pessoas são seguidoras de mais de 600 páginas e grupos, no Facebook do Brasil, todas com foco nas profissões técnicas de saúde: radiologistas, técnicas(os) de enfermagem, agentes comunitárias(os) de saúde e auxiliares de saúde bucal, dentre várias outras. O número de seguidoras(es) impressiona: é o equivalente a 4% dos 211 milhões de habitantes (população brasileira total, segundo o IBGE). 

Estes são alguns dos principais resultados obtidos por um levantamento* realizado por iniciativa da direção da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e que consistiu num raio x da presença temática das profissões técnicas em saúde na web brasileira: Facebook, Google, imprensa on line, e até mesmo o ambiente virtual da Fiocruz. 

Segundo Monica Vieira, Vice-Diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da EPSJV, esse imenso contingente de brasileiras(os) que se interessa pelas profissões técnicas em saúde deve ser tratado pela Escola Politécnica e pelo Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS) como interlocutoras(es). 

 “São 8,5 milhões de interlocutores. O OTS foi criado exatamente para construir vínculos com essas pessoas. Elas têm algo a nos dizer que nós ainda não sabemos. Elas têm uma escuta pra gente e o desafio é como a gente vai criar intimidade com elas”, provocou a Vice-Diretora.   

“Essa interlocução vem sendo construída progressivamente pelas pesquisas desenvolvidas pelo Observatório, por meio da adoção de metodologias que permitam o diálogo, seja por meio de entrevistas, grupos focais e outros meios de escuta e interação com as trabalhadoras(es) técnicas(os), seja pelo acompanhamento e participação em atividades coletivas protagonizadas pelas(os) trabalhadoras(es) em suas frentes de luta”, lembra Márcia Morosini, Coordenadora do OTS. 

“Esse interesse todo está relacionado às oportunidades de trabalho,” apontou Ialê Falleiros, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional em Saúde. “A gente sabe que o mercado na área de saúde emprega muita gente. O setor privado se vale disso pra dizer que o setor saúde é um setor produtivo porque é um dos maiores empregadores. Mas quem financia o trabalho na saúde é o setor público. Isso tem ficado cada vez mais claro nos levantamentos que a gente faz”, questionou.  

A pesquisadora alerta, também, para as condições e vínculos precários nesse universo das profissões técnicas em saúde. “Está no imaginário das pessoas a ideia de obter uma estabilidade trabalhando na saúde, embora a gente saiba que a precarização também chegou (no setor). Não são postos de trabalho que garantem permanência, advertiu Falleiros.” 

 

INVISIBILIDADE PARADOXAL 

O levantamento realizado no ano passado encontrou 241 reportagens na internet brasileira sobre essa temática. Deste total, somente 16% (38 matérias jornalísticas) tiveram destaque em sites de veículos de imprensa de âmbito nacional. Ou seja, 84% (203 notícias) foram publicadas em veículos de comunicação de menor abrangência (regionais) ou até mesmo mídias de alcance exclusivo em segmentos específicos.  

A constatação dessa invisibilidade torna-se ainda mais relevante se for considerado o contexto temporal do levantamento realizado na web: maio a julho de 2022 ainda era período de pandemia de covid-19, no qual o protagonismo das trabalhadoras e dos trabalhadores técnicos em saúde foi total. Isso torna essa invisibilidade inteiramente paradoxal.  

Para Falleiros, as(os) trabalhadoras(es) técnicas(os) são a base dos serviços de saúde, no Brasil. Representam mais da metade dos profissionais do setor, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).  

Morosini, também destacou o papel e importância dessas(es) trabalhadoras(es): “A invisibilidade apontada pelo levantamento é inversamente proporcional à importância deles no processo de trabalho para sustentar uma série de ações e de mediações que são eles que realizam,” lamentou.  

Segundo a coordenadora, na sociedade capitalista aquele trabalho que é interpretado como manual é desvalorizado em relação ao trabalho que se entende como um trabalho intelectual, que seriam os trabalhos realizados por profissionais de nível superior.  

“A gente questiona tudo isso. A gente entende que o trabalhador técnico é também um intelectual do seu fazer, do seu saber, do que ele opera, do que ele desenvolve. Na verdade, tentar reduzir a formação e o trabalho desse trabalhador a uma dimensão extremamente instrumentalizada é uma maneira de você continuar reproduzindo e alimentando essa mesma forma de inserção dos técnicos,” afirmou.  

Monica Vieira, vice-diretora, foi categórica: “Eles não são invisíveis, são invisibilizados,” sentenciou. 

 

NA FIOCRUZ 

Mesmo no ambiente web da Fiocruz, os números não são diferentes. O levantamento identificou, no portal da instituição, que as(os) trabalhadoras(es) técnicas(os) em saúde são o foco de apenas 2% dentre mais de 500 matérias jornalísticas produzidas pela Agência Fiocruz de Notícias de outubro de 2021 até agosto de 2022. 

A coordenadora do OTS não se surpreendeu com esses resultados: “A Fiocruz é uma instituição inserida na sociedade. Ela tem essas mesmas contradições. É papel do Politécnico estar desconstruindo externamente e internamente essa concepção sobre os técnicos em saúde. É nossa missão social enquanto grupo de trabalho pertencente a uma unidade técnico-científica da Fiocruz vocacionada e dirigida para a formação dos trabalhadores técnicos,” advertiu. 

 

PREDOMÍNIO DAS INSTITUIÇÕES PRIVADAS DE ENSINO TÉCNICO EM SAÚDE 

Outro destaque do levantamento foi a descoberta de que a esmagadora maioria dos 678 grupos e páginas do Facebook que foram pesquisados são vinculados a instituições privadas de ensino. O foco é, sempre, a captação de alunas(os) para cursos técnicos privados.  

O cenário é coerente com a realidade atual, na qual o setor privado é o grande responsável pela formação dos trabalhadores técnicos da saúde.  “Se fosse diferente é que seria esquisito. Não é surpreendente, mas é lamentável,” protestou Morosini. 

 

 

*O levantamento foi produzido pelos bolsistas Guto Pires e Vander Borges, consultores em comunicação, no período de 14 de maio a 22 de julho de 2022.